O Jardim do Éden é relatado por nós cristãos como o berço da criação. Não se trata exatamente de um espaço geográfico, pois a identificação de sua localização está até hoje no campo das especulações e das curiosidades bíblicas; mas é um espaço imaginário, como aqueles das nossas antigas histórias de povos que dão a nós um certo sentido de origem e de pertença. Assim é o Éden para nós, um lugar de onde viemos enquanto humanidade, onde se passaram nossas primeiras histórias, de um cenário paradisíaco que imprimiu em nossa memória humana o sonho e a saudade de um momento de plena harmonia da criação. Essa memória tornou-se geradora de nossas utopias humanas, de acreditarmos que é possível a instauração de uma sociedade harmônica, de uma situação de plena paz. São essas utopias que, instaladas em lugares profundos de nossos sentimentos, nos movem para lutas, resistências e esforços criativos. Sim, acreditamos na possibilidade da prevalença da justiça, da harmonia, do bem comum e do entendimento humano, por isso insistimos nas mudanças.
Mas esse Éden do qual falamos não esteve imune à presença do mal que, como bem retrata o filme O Senhor dos Anéis, chegou trazendo a discórdia, a escuridão, a destruição e a desesperança. Ele é o ladrão que “vem apenas para furtar, matar e destruir” (João 10.10). Jesus é o grande salvador dessa ordem de caos que o mal instaura: “eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente.” (João 10.10), como a personificação do Éden, onde e em quem temos a possibilidade de harmonia e da comunhão da criação.
O mal chegou no Jardim sorrateiramente, disfarçando-se de uma das criaturas de Deus, a serpente, para enganar o casal humano que conhecia os animais. Assim ele sempre faz, chega disfarçado de algo (ou alguém) bom e capaz de enganar a muitas pessoas. Essa é a natureza do mal, enganar, como fez com o casal humano no Éden, como fazem os anticristos, que são chamados na Bíblia de “enganadores” (2 Jo 1.7), como faz o grande Dragão anunciado pelo Apocalipse (Apocalipse 12.9).
Esse mal é associado na Bíblia à figura do diabo, mencionado como o “pai da mentira” por Jesus. Ele dirigiu duras palavras a líderes religiosos judeus que se faziam de “filhos de Deus”, mas seguiam mesmo o “pai da mentira”: “Vocês pertencem ao pai de vocês, o diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira.” (João 8:44).
O mal se vale da mentira desde suas primeiras expressões na história. A Bíblia relata (Gn 1-3) que, no Éden, Deus ordenou ao casal humano que não comesse, para a própria segurança deles, do fruto da árvore que proibira. A serpente, que já era um disfarce do mal, não se apresentou aos humanos com uma mentira direta, mas com uma mentira disfarçada de verdade. Ela se apropriou do discurso de Deus, revelando-se uma conhecedora dele, e o usou para espalhar sua “falsa notícia”: que era Deus quem estava mentindo para os humanos, pois não queria ter seu poder dividido com eles. A serpente desejava o poder de Deus, mas convenceu os humanos que esse desejo era deles, e fez isso distorcendo a verdade que tinham ouvido de Deus. Outra mentira que ela apresentou como se fosse verdade foi a falsa ideia de que Deus era Deus porque conhecia o bem e o mal e que os humanos poderiam, portanto, se tornar como Deus: “vocês serão como Deus, conhecedores do bem e do mal”. (Gênesis 3:5). Sabemos que Deus é Deus porque ele é Deus, e o humano nunca será Deus, pois é criatura.
O mal continuou agindo no mundo da mesma forma, através de mentiras, pois ele não é criativo. Uma das maneiras mais comuns que ele tem agido na história é de governantes que se fazem de bons, de conhecedores de Deus, de seguidores da sua palavra para obter o poder que desejam. Por causa do disfarce de bondade muitas pessoas acreditam, principalmente cristãs. Como o mal, portanto essas pessoas que o representam, não conseguem sustentar suas supostas bondades, quando verificados o interior de seus projetos e das suas ações, identificamos os danos profundos para a criação, portanto, “o roubo, a morte e a destruição”.
Um dos sábios de Provérbios ensina que “O bom senso o guardará, e o discernimento o protegerá.” (Provérbios 2:11). Discernir significa “fazer a crítica”, observar atentamente e procurar entender o que está acontecendo, não se deixar induzir facilmente, usar de sabedoria. Precisamos usar de discernimento nesses tempos difíceis que vivemos para não nos tornarmos, por meio do engano, instrumentos de injustiças. Quando espalhamos falsas notícias por meio de redes sociais, nos tornamos mais do que instrumentos, mas agentes do mal, enganadores de outras pessoas. Discernir é a palavra de ordem e ser espalhadores do evangelho de justiça de Jesus Cristo é nossa missão.
Texto de Regina Fernandes (@reginafernandessanches) – Teóloga e coordenadora da editora saber criativo.